CNJ decide que isenção de custas processuais independe de comprovação de renda.
O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por maioria de votos [1], ao julgar o Procedimento de Controle Administrativo nº 0005027-08.2011.2.00.0000, em determinar que “a Corregedoria de Justiça do Estado do Mato Grosso anule provimento que obrigava Juízes e Oficiais de Justiça a avaliar a situação econômica a fim de comprovar a incapacidade da parte em cobrir custas do processo.”
Conforme disposto no relatório do Conselheiro Relator, trazemos, em síntese, que, “trata-se de Procedimento de Controle Administrativo interposto (…) contra provimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que fixou critérios para a concessão de isenção de custas aos beneficiários da justiça gratuita.
Alega, em síntese, que por meio do Provimento nº 07/09 a Corregedoria passou a exigir que o magistrado faça averiguação superficial sobre as condições financeiras da parte requerente e que os oficiais de justiça, notando sinais exteriores que evidenciem condições econômicas de pagamento das custas, relatem o ocorrido ao juiz da causa. A seu entender, por fixar critérios que extrapolam as disposições da Lei nº 1060/50, a Corregedoria acabou por editar ato ilegal. Requer, liminarmente, a suspensão dos dispositivos do Provimento e, no mérito, sua anulação.”
O Conselheiro Relator, Desembargador Neves Amorim, fundamentou seu voto com base nos seguintes argumentos:
“(…)
“VOTO
Embora seja louvável a preocupação de evitar a evasão de divisas do Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário, o excesso de zelo pode avançar sobre direitos constitucionalmente amparados.
É precisamente o que ocorre in casu. De fato, o Provimento nº 07/09 apresenta a seguinte redação:
Da assistência judiciária gratuita Art. 3.º- Acrescentar os itens 2.14.8.1.2, 2.14.8.1.3,
2.14.8.1.4, 2.14.8.1.5 e 2.14.8.1.6, com as seguintes redações:
2.14.8.1.2 – Para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, prevista na Lei n.º 1.060/50, deverá o magistrado fazer uma averiguação superficial sobre as condições financeiras da parte requerente, inclusive, se necessário, com consulta ao Sistema INFORJUD (Secretaria da Receita Federal), Detran, Brasil Telecom e Junta Comercial, ferramentas essas disponibilizadas no Portal dos Magistrados.
2.14.8.1.3. Restando negativa a investigação referida no subitem anterior, deverá o Juiz deferir o benefício, em caráter provisório, para que não haja prejuízo à tramitação do processo (Lei n.1.060/50, art. 5.º).
2.14.8.1.4. É vedado o deferimento do recolhimento de custas e despesas processuais para o final do processo.
2.14.8.1.5. Concedida a Justiça Gratuita, a qualquer momento o Oficial de Justiça, notando sinais exteriores que evidenciem condições econômicas de o beneficiário “pagar as custas do processo e demais verbas processuais” (Lei n.1.060/50, art. 2º, § 2º), relatará, por escrito, ao Juiz, descrevendo os fatos observados.
2.14.8.1.6. No curso do processo, restando evidentes sinais de suficiência econômica da parte beneficiária, deve o magistrado proceder na forma ditada pelo art. 8.º da Lei da “Justiça Gratuita”.
No entanto, a Lei nº 1060/50 não faz nenhuma dessas exigências:
Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986)
§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986)§ 2º. A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986)
§ 3º A apresentação da carteira de trabalho e previdência social, devidamente legalizada, onde o juiz verificará a necessidade da parte, substituirá os atestados exigidos nos §§ 1º e 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 6.654, de 1979)
Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas.
§ 1º. Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis o advogado que patrocinará a causa do necessitado.
§ 2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais.
§ 3º. Nos municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do
Brasil. o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado.
§ 4º. Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo.
§ 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o
Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos. (Incluído pela Lei nº 7.871, de 1989)
Em uma primeira análise, pode até parecer que o provimento matogrossense apenas explicite diligências que, em verdade, estão na Lei. No entanto, ao explicitá-las, ou seja, ao exigir que o juiz adote uma postura positiva, o provimento indiretamente impõe um ônus à parte que requer o benefício da assistência judiciária.
Noutras palavras, ele exige que a parte que seja pobre, atendendo, pois, aos requisitos do art. 4º da Lei, mas que circunstancialmente possua um bem registrado em um dos sistemas informatizados, tenha de provar que, inobstante o patrimônio, é de fato pobre.
A Lei nº 1060/50 tampouco estabelece qualquer obrigação aos oficiais de justiça. Não que a Corregedoria não possa lhes dar novas atribuições, mas exigir que apenas por sinais exteriores o oficial noticie ao juiz para que revogue o benefício é prática nitidamente discriminatória e vexatória, menos para quem comete irregularidades do que para os verdadeiros beneficiários que receberão, de fato, a etiqueta de “oficialmente pobre”.
As determinações constantes do provimento parecem olvidar dos estudos da labelling approach de H. Becker e da criminologia crítica: com efeito, a possibilidade de realizar julgamentos morais, tal qual se outorga aos oficiais de justiça, contribui para afastar a imparcialidade do julgador, algo que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
Além disso, no que se refere ao momento da exação das custas, o provimento acaba por violar a reserva de lei. Ora, não se está a questionar a natureza tributária das custas processuais, mas o elemento temporal, relativo ao momento de incidência do fato gerador, deve estar previsto na norma matriz de incidência, sobre a qual, nos termos da Constituição pende reserva de lei. Não se pode, portanto, definir em provimento do Tribunal matéria cuja regulamentação exige lei em sentido material.
É precisamente porque invadiu competência que não se lhe concedeu que o Tribunal de Justiça do Mato Grosso editou provimento absolutamente ilegal. A matéria, aqui, não é inédita e o Conselho, à unanimidade, vetou que se fixassem critérios para além dos já exigidos na Lei nº 1060/50:
EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. PROVIMENTO 019/2006. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESTRIÇÃO AO PATROCÍNIO DA CAUSA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Pretensão de invalidação parcial do Provimento nº 019/2006, da Corregedoria de Justiça do Estado do Piauí, que estabelece restrição de acesso à assistência judiciária gratuita, permitindo o processamento dos feitos apenas para as partes assistidas por membros da Defensoria Pública.
2. A Lei nº 1060/50 não condicionou o benefício da assistência judiciária ao necessário patrocínio da causa pela Defensoria Pública.
3. A restrição, tal como posta, inviabiliza o instituto da advocacia voluntária, reconhecidamente incentivado por este CNJ (Resolução nº 62/2009), e outras eventuais formas de prestação de assistência jurídica.
Procedência do pedido para desconstituição do ato questionado.
Ante a argumentação expendida neste voto, fica evidente que o precedente acima se amolda ao caso em tela, razão pela qual acórdão os Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça, por maioria, em conhecer do presente Procedimento de Controle Administrativo, julgando-lhe procedente para anular o Provimento nº 07/09 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso.
Brasília, 13 de março de 2012.
Autor da noticia: Alexandre Pontieri
2 Comentários
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muito bom! continuar lendo
Dra.
Qual o número desta Resolução?
Grata.
Leila continuar lendo